O Monstro de Loch Ness

                                           

        O monstro de Loch Ness, ou Nessie, é o exemplo mais famoso do que se acredita ser uma caso de Becos Evolutivos.

        Loch Ness é o maior e mais profundo lago de água doce da Grã-Bretanha, tendo cerca de trinta e sete quilómetros de comprimento e duzentos e trinta metros de profundidade. Foi formado há cerca de duzentos e cinquenta milhões de anos, mas só há relativamente pouco tempo - menos de sete mil e quinhentos anos - é que ficou separado do mar, em resultado da mais recente Era Glaciar. A turfa no leito do Loch faz com que a água seja invulgarmente escura e, sendo frequentes ondas de três metros de altura, muitos consideram-no, não um lago, mas sim um pequeno oceano interior.

        O mito do monstro teve ínicio no século VI, quando St. Columba viu supostamente o animal do Loch, e desde essa altura que tem havido relatos da sua aparição. Em 1934, o Nessie foi, pela primeira vez, notícia de primeira página, quando um ginecologista, Robert Wilson, afirmou ter visto um enorme animal marinho a erguer a cabeça e o pescoço fora de água, tendo tirado uma fotografia que foi, pouco depois, publicada nas primeiras páginas dos jornais todo o mundo. Desde então, milhares de visitantes dirigem-se todos os anos ao lago, na esperança de ver o monstro, e muitos afirmam ter visto algo estranho na água escura.

                    > A fotografia tirada em 1934 por Robert Wilson

         A fotografia de Robert Wilson, que se tornou conhecida como a "fotografia do cirurgião", foi eventualmente denunciada como falsa quando os seus autores confessaram que o "monstro" fazia, de facto, parte de uma elaborada partida. Aparentemente, o animal da fotografia tinha sido feito com um submarino de brinquedo, de corda e lona. Estas revelações, porém, em nada dissuadiram as buscas, as quais se tornaram cada vez mais sofisticadas.

        Na década de 1970, houve duas buscas importantes patrocinadas pela Academy of Applied Science de Boston, uma em 1972 e outra em 1975. Estas envolveram fotografias debaixo de água e exploração com sonar do lago. As fotografias de uma das buscas revelaram a parte superior do corpo e a cabeça "em forma de gárgula" de um monstro. Infelizmente, exames posteriores mostraram que a equipa tinha fotografado um boneco de plástico utilizado em 1969 durante as filmagens de As Vidas Privadas de Sherlock Holmes.

        Nada descoraçada, uma outra equipa regressou a Loch Ness em 1987, tendo levado a cabo a Operação DeepScan. Este ambicioso projecto envolveu uma frota de vinte e dois barcos, criando um varrimento sonar ao longo de todos os trinta e sete quilómetros de comprimento do Loch. Mais uma vez, a busca não teve resultados definitivos nem fotografias nítidas, apenas uns esboços enevoados que mais tarde se provou não mostrarem nada mais exótico do que troncos de árvores e vários detritos. O outro problema com esta busca foi que o sonar não chegou ao fim do Loch e não conseguiu cobrir mais de 80% do volume da água. É fácil imaginar qualquer animal tímido que ali vivesse a dirigir-se para o fundo assim que uma frota de barcos atravessasse a superfície, pelo que é possível que, de qualquer modo, não o tivessem visto.

                       

        Mas o facto de ainda não termos visto o monstro de perto nem encontrado provas de que ele existe, não significa que ele esteja realmente lá. Se o Nessie de facto existe, que poderá ser ele e como sobreviveu?

        A sugestão mais popular é que o monstro de Loch Ness não seja um animal, mas sim uma colónia de plessiossauros. O plessiossauro foi um réptil aquático que existiu nos oceanos do mundo desde os finais do período triássico até ao fim do cretácico, isto é, no período compreendido entre os cento e noventa e cinco e os sessenta e cinco milhões de anos. A teoria aventa a hipótese de um grupo de plessiossauros ter sobrevivido à extinção dos dinossauros no final do período cretácico. Muito mais tarde, uma comunidade ficou encurralada no Loch quando este se separou do mar, e vive lá desde então.

        Embora esta teoria apresente problemas significativos, ela não de modo algum impossível. A ideia central de que pequenos grupos de animais possam sobreviver à extinção da espécie não é tão inverosímil como se poderá pensar. Em 1938, pescadores africanos encontraram um peixe com couraça de ferro e dois metros de comprimento no oceano Atlântico. Depois de um exame cuidadoso, verificou-se que era um coelacanto, um animal que se julgava ter sido extinto há setenta milhões de anos. Este espécime tinha evoluído para um peixe maior do que os seus antepassados pré-históricos, e julga-se que faz parte de uma comunidade que vive no fundo do oceano.

        A evolução é um processo através da qual a espécie se desenvolve utilizando dois factores: a selecção natural e o acaso. Se uma característica aparecer num indíviduo, ela pode ser transmitida a gerações futuras, se esse indíviduo sobreviver o tempo suficiente para procriar. Tanto as "boas" como as "más" características são transmitidas a gerações futuras, mas as espécies evoluem para formas aperfeiçoadas ou melhor adaptadas porque as "boas" características tornam o indivíduo mais apto à sobrevivência, mais forte e dominador, o que aumenta as possibilidades de transmissão dos aperfeiçoamentos. A sorte desempenha também um papel importante, porque as alterações das características genéticas, ou mutações, surgem aleatoriamente. Todas as espécies evoluem, mas o ambiente pode afectar a velocidade da evolução. Se as condições ambientais se mantiverem estáveis durante um longo período e a comunidade conseguir sobreviver dentro de estreitas limitações, a evolução será provavelmente mais lenta do que seria num ambiente mais competitivo, que apresentasse maiores desafios. É possível que uma pequena comunidade de animais como os plessiossauros tivesse evoluído mais lentamente do que outras espécies do mundo durante o mesmo período - digamos sessenta e cinco milhões de anos.

        Mas, o isolamento tem o efeito nocivo de restringir a diversidade genética da espécie, limitando grandemente a probabilidade de sobrevivência de comunidades pequenas. Uma pequena comunidade de plessiossauros pode desenvolver defeitos genéticos que ameaçam a saúde e a eventual sobrevivência do grupo. Se assumirmos que a comunidade original não tinha mais de algumas dezenas de indivíduos, a probabilidade de degeneração dos genes seria bastante grande logo no início da vida do grupo.

        Um outro problema é a necessidade de recursos. Para poder sobreviver, qualquer ser vivo precisa de ter aquilo a que se chama a biomassa. Em média, esta biomassa tem de ter cerca de dez vezes o seu peso, o que deu origem ao conceito de pirâmide de biomassa. Um grupo de plessiossauros em Loch Ness estaria no topo da pirâmide de biomassa no seu prórpio sistema fechado e, para poderem sobreviver, eles necessitariam de uma massa substancial de seres mais pequenos abaixo deles na pirâmide. Eles podem ter-se adaptado a uma alimentação omnívora, o que lhes daria uma oferta de alimentos mais variada, mas, mesmo assim, um grupo de animais do seu tamanho utilizaria os recursos do lago até aos seus limites, talvez até para além destes. Se argumentarmos que a comunidade é muito pequena, surge-nos então o problema da falta de diversidade genética. Se o monstro de Loch Ness for, de facto, um grupo de plessiossauros, estes constituiriam uma comunidade muito frágil. O grupo não poderia tornar-se demasiado grande devido à falta de recursos, mas não poderia ser tão pequeno que a procriação consanguínea pudesse gerar deficiências genéticas intoleráveis. Um desses factores pode bem tê-los exterminado há muito tempo.

        Os que acreditam que Nessie é um grupo de plessiossauros há muito perdido sugerem que o animal moderno pode viver tanto na água do mar como em água doce, pelo que o facto de o Loch se ter transformado gradualmente de um lago de água salgada em um de água doce ao longo dos últimos sete mil e quinhentos anos não constituiria um problema grave. Mas o plessiossauro era um réptil marinho e teria de passar algum tempo em terra;é surpreendente que não tenha havido muitos mais encontros testemunhados entre homens curiosos à procura de monstros e os próprios animais.

        Para contrapor este argumento, alguns acreditam que Nessie é um peixe estranho, muito grande e, mais uma vez, isto é possível em termos de evolução. Peixes de água do mar podiam ter evoluído para animais de água doce à medida que o lago alterou lentamente a sua composição química, depois de ter ficado isolado do mar.

        Assim, o monstro de Loch Ness pode ser um grupo de plessiossauros sobreviventes que conseguiram de algum modo, ultrapassar os problemas da pirâmide de biomassa e da falta de diversidade genética. Eles podem ser répteis marinhos que se adaptaram à água doce, ou peixes grandes que levram a cabo o mesmo truque bioquímico e anatómico. Uma outra alternativa é que as aparições do monstro não passem de toros, troncos de árvores que tenham ficado presos perto das margens do Loch, ou até mesmo miragens.

        Esta última sugestão é, na realidade, mais provável do que os entusiastas dos plessiossauros gostam de admitir. As condições ambientais no Loch Ness são surpreendentemente conducentes à formação de miragens, e estas podem ser provocadas por objectos existentes na água, tais como peixes que vêm à superfície, ou ramos grandes projectados para o céu por correntes invulgarmente fortes.

        Entusiastas de monstros recusam esta explicação como sendo demasiado limitada e apontam para casos em que têm sido vistas ondas de proa juntamente com um animal de pescoço comprido. Mas as investigações meteorológicas recentes podem ter uma explicação para isto. O efeito de uma onda de proa ou de qualquer pertubação na superfície do lago pode ser produzido por aquilo a que se chama demónios de água. Pensa-se que estes são primos das trombas de água, familiares distantes dos tornados, tendo origem em vórtices produzidos por variaçoes de pressão na água.

        Estas explicações podem justificar a aparição do Nessie e de outros animais em lagos e mares de todo o mundo. Embustes e truques podem explicar muitos mais, mas não há provas definitivas, quer da sua existência, quer da sua não existência. Actualmente, o Loch Ness é enorme e é impossível pesquisá-lo centímetro a centímetro. A nossa melhor esperança reside no desenvolvimento futuro de equipamento sonar super-sensível ou de equipamentos sofisticados de rasteamento térmicos ou de imagem que possam mostrar quais os animais estranhos que ali vivem, se é que lá vivem alguns.

                                   

                        > Uma pintura de dois monstros por Sir Peter Scott. Scott deu um nome ao monstro,  Nessiteras rhombopteryx (monstro do Ness com barbatanas em forma de diamante), para o tornar espécie protegida.

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